Desastres naturais e resiliência

(Revista Nova Família)

Estivemos nas últimas semanas frente a alguns desastres naturais que assolaram parte do planeta: o furacão Irma, que atingiu as ilhas do Caribe, Cuba e também os EUA, deixou 61 mortos até o momento, além de ter devastado a região por onde passou, deixando milhares de pessoas desalojadas e muita destruição.

Na ilha de Barbuda, no Caribe, 1,7 mil habitantes foram deslocados para outras regiões, tamanha destruição, estando o local completamente desabitado pela primeira vez em 300 anos, um verdadeiro desastre humanitário.

No mesmo período, um terremoto de magnitude 8,2 atingiu o México, onde deixou até o momento 98 mortos, mais de 200 feridos, além de muita devastação e milhares de desabrigados.
(Todos os dados foram colhidos em 17 de setembro de 2017.)

Sempre que situações dessa natureza acontecem, muitos me perguntam: como essas pessoas que perderam tudo, toda a sua referência, muitas inclusive entes queridos, como elas conseguem se reerguer das cinzas e reconstruir a vida?

Os desastres naturais e seus impactos

Os denominados desastres naturais afetam a infraestrutura econômica da região atingida, sua estrutura social (comunidades e populações), além da saúde física e psicológica dos seus membros. São considerados desastres naturais: terremotos, atividade vulcânica, deslizamento de terrenos, tsunamis, ciclones tropicais (furacões) e outras tempestades severas, como tornados, cheias e inundações costeiras, além de incêndios florestais e nuvens de fumo associadas, seca, tempestades de areia e infestações.

Os desastres naturais são frequentemente acontecimentos imprevisíveis, que envolvem experiências de perdas (materiais, afetivas e sociais) e podem implicar grandes mudanças de vida para as pessoas atingidas (vítima, colegas, família e grupos comunitários), fazendo com que passem por um processo de luto.

Alguns estudos demonstram que a vivência de uma catástrofe natural compreende uma forte carga emocional, potencialmente traumática, podendo associar-se ao desenvolvimento de diversas reações psicológicas, como o estresse pós-traumático, além de perturbações de ansiedade e de humor. Mas cada um reage de forma diferente à experiência.

A maioria das pessoas que enfrenta algum desastre atravessa uma fase de estresse, mas depois recupera sua saúde mental, o que costuma acontecer após alguns meses ou em até dois anos. Ou seja, essas pessoas tendem a ser psicologicamente resilientes e podem superar essas situações devastadoras, saindo inclusive fortalecidas das mesmas.

Resiliência comunitária

Falar em recuperação e resiliência em situações de desastre natural implica em conceituarmos a resiliência comunitária – capacidade de a comunidade se adaptar, resistir e se recuperar rapidamente de um evento catastrófico.

Landau e Saul (2002) definiram a resiliência da comunidade como “a capacidade da mesma de ter esperança e fé para suportar a maioria dos traumas e perdas, superar a adversidade e prevalecer, geralmente com recursos, competência e união”[1], considerando a família como unidade primordial de mudança.

Os autores consideram que após o impacto da tragédia, é importante a reconexão da família com seus contatos anteriores de apoio, tais como parentes, amigos e referências espirituais, bem como o restabelecimento de rituais diários.

Como podemos ajudar?

O apoio mútuo possibilita que as famílias compartilhem suas necessidades e construam juntas, estratégias para buscarem recursos. Esse apoio mútuo entre pessoas da própria comunidade costuma ser mais útil do que o vindo de fora, já que a comunidade conhece os recursos que possui e as redes de relacionamento confiáveis. É desejável, então, que tanto a comunidade quanto os profissionais que trabalham nesses eventos atuem juntos.

Aos profissionais, cabem intervenções não somente durante a fase de enfrentamento, mas nas posteriores também, devendo-se privilegiar a reorganização da comunidade, seguida pela conscientização grupal das forças internas de empoderamento nos níveis individuais e coletivos. Isso é fundamental para a reconstrução de suas vidas, de seus lares, recuperação e construção de vínculos, elaboração do sentido da experiência vivida, elaboração de lutos e mobilização de crenças positivas, fé, esperança e resiliência.

Dessa forma, é importante ajudar a criar uma rede de suporte social formada pelos próprios cidadãos, sendo comum que os membros mais resilientes da comunidade organizem grupos para restabelecer o equilíbrio psicológico e os vínculos afetivos por meio do ouvir e do conversar, o que envolve a empatia compartilhada. Neste processo entra também a espiritualidade como importante fator de proteção e resiliência.

A capacidade de vencer adversidades está na sensação de se sentir apoiado, na coesão social e na cooperação. Portanto, nesses casos, a melhor ajuda que podemos proporcionar é com intervenções que possam fortalecer a resiliência comunitária, mobilizando, mantendo e melhorando os recursos da comunidade e sua conexão, já que, nessas situações é crucial o sentimento de pertencer a um grupo social onde se encontre referências de pessoas do bairro, como vizinhos e amigos, para que falem de suas necessidades e chorem suas perdas. É importante e legítimo dar lugar à dor.

Aceitação

Em 2006 tive a oportunidade de conhecer um senhor de mais de 80 anos, profissional de Saúde Mental, residente na Flórida há muito tempo.

Por ocasião do furacão Katrina ele havia perdido absolutamente tudo: sua residência, seu consultório, sua casa de veraneio, além de todos os documentos, fotos, recordações. Restou-lhe sua vida e a de seus familiares.

Esse senhor me impressionou por estar participando e apresentando trabalhos num Simpósio, sem qualquer lamentação do que havia acontecido com ele e sua família. Parecia agradecido dessa nova oportunidade que a vida lhe havia oferecido de seguir em frente, apesar de tudo.

Sua postura diante da vida marcou-me na época justamente por me mostrar sua ACEITAÇÃO frente à experiência devastadora por que passou. Quando aceitamos tudo aquilo que não podemos mudar, isso nos libera do ressentimento e nos aproxima do viver em PAZ.

É importante frisar que aceitar não significa aprovar, estar de acordo ou gostar de determinada situação, significa apenas aceitar que “as coisas são/foram assim”, é a possibilidade de encarar as adversidades, por piores que possam ser (como nesses casos de catástrofes naturais), como fatos da vida.

Sendo assim, a aceitação é um importante fator de resiliência e, nesse sentido, quanto mais conectados com a ACEITAÇÃO, mais possibilidades de nos reerguermos após a vivência de experiências catastróficas.

[1] Landau, J. & Saul, J. “Facilitando a resiliência da família e da comunidade em resposta a grandes desastres”. Pensando Famílias n.4, ano 4, (56-78), 2002.

 

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