Conheça sentose35


  • Sento-Sé

    Foto14bEsse cantinho foi reservado para falar de memórias da cidade de Sento-Sé (a Velha Sento-Sé), onde minha bisavó (Cantú) nasceu, minha avó (Amália) e minha tia-avó (Madinha Altair) viveram a juventude e minha família materna teve suas origens.  

    Sou descendente de uma tradicional família sertaneja sediada em uma pequena cidade às margens do Rio São Francisco. Apesar de pequena, estava inserida em um grupo tradicional familiar de grande porte que se identificava como Família Sento-Sé, cuja ramificação evoluiu, dando nome ao Município com grande extensão territorial e produtor de recursos minerais (ametista), exportação de cera de carnaúba, pecuária de médio porte, cuja riqueza era privativa para os ambiciosos e detentores do poder. A população majoritária, mais humilde, vivia com a pesca, agricultura e subempregos. Com as rivalidades políticas vieram os desentendimentos e divergências em grande escala e as lutas pelas terras.

    Vale lembrar a literatura de Cordel, onde os principais assuntos abordados eram as festas, a seca, a política, além de disputas, atos de heroísmo. Essa arte chegou ao Brasil, oriunda de Portugal, instalou-se na Bahia e se espalhou pelo nordeste. Disseminada por cantadores e repentistas que, viajando pelas fazendas e vilarejos do sertão, improvisavam versos. Essa literatura é derivada da tradição oral, nasce da fala comum das pessoas e das histórias como contadas por elas.

    E a história de Sento-Sé está retratada também em Cordel, autoria do professor e historiador Antonio Rodrigues Lima.

    Toda essa história chegou ao meu conhecimento de forma desordenada através de causos familiares e livros, assim, procurei entender a realidade política e cultural daquela época na Região do São Francisco.

    Em 1908, Sento-Sé devia ter umas duzentas casas. Os seus arredores eram poéticos, devido ao carnaubal, algarobas, pés de mulungú, castanholas, características das regiões sertanejas do norte da Bahia às margens do Rio São Francisco.

  • Origem do nome Sento-Sé

    Segundo consta no livro “Sento-Sé Rico e Ignoto” de Romualdo Leal Vieira: “segundo soubemos, o Dr. Cícero Peregrino, que foi diretor da Biblioteca Nacional, opinava que o nome de Sento-Sé vinha da frase indígena ‘sede de uma herdade cultivada’”.

    Considerando o significado de “herdade” como herança e propriedade rural de dimensões consideráveis, encontramos também no livro “Remanso da Valentia”, de Wilson Lins, a seguinte história ocorrida há mais de 350 anos:

    “... numa noite como aquela, naquele mesmo local, homens como os que ali se encontravam, mantiveram-se em vigília na casa-grande esperando os índios que, já tendo vindo por duas vezes de sua aldeia, para atacar a sede da Feitoria de São José da Barra, voltariam naquela noite, como os boréis estavam anunciando no escampo das trevas. E como os boréis avisaram, a indiada veio. A luta foi cruenta e crua, com os guerreiros de ambos os lados combatendo como feras, mas os portugueses e mamelucos, que defendiam a Feitoria, tinham a sorte ao seu lado, e a prova é que, no fragor do combate, o cacique atacante, ao tentar transpor uma paliçada, meteu o pé numa armadilha, caindo prisioneiro. Com o aprisionamento do chefe, os assaltantes debandaram, acossados pelos reinóis e mamelucos até dentro de sua aldeia, que foi incendiada para em seu lugar surgir, mais tarde, uma nova Feitoria.

    A fazenda instalada sobre os restos fumegantes da aldeia destruída, embora registrada com outro nome, ficou sendo conhecida simplesmente por Aldeia, denominação que conserva até hoje.

    O cacique aprisionado, como era costume, foi feito escravo dos que o tinham preado, sendo posto a trabalhar na Feitoria. O seu nome era Centocé. Jovem ainda e muito hábil, não demorou a familiarizar-se com os reinóis e mamelucos, adaptando-se aos seus hábitos, aprendendo suas técnicas, a ponto de se tornar um elemento útil e estimado. Além dos serviços que prestava, no amanho da terra e na criação do gado, ajudava aa pacificar as aldeias circunvizinhas, não tardando a que, graças ao seu gênio político e às suas inatas qualidades de diplomata, toda a vasta faixa de terra que compreendia a Feitoria entrasse a viver em paz com os índios das redondezas.

    Cessado o perigo do ataque da indiada, o velho sesmeiro achou que tinha chegado o momento de ir buscar sua família para o sertão. Lá, um dia ele viaja para o litoral e depois de longos meses de espera regressou ao vale trazendo a mulher e os filhos, entre eles, vinha uma bela moça branca, de longas tranças e vestidos longos, que desde o primeiro instante encheu-se de amor pelo jovem índio, que, já então, ocupava um lugar de destaque na administração da feitoria. A principio, a família se opôs ao romance, mas o par enamorado acabou vencendo a oposição dos parentes. E, cinco anos depois de haver caído escravo dos senhores da feitoria de São José da Barra, o cacique Centocé se casava com a filha mais velha de seu antigo amo. Havendo sua jovem esposa recebido, como dote, a sede da Feitoria e as terras circunjacentes, o caboclo reconquistou pelo casamento o que lhe tinha sido tomado pela força, voltando a reinar sobre a terra de seus maiores. O casamento do sabido chefe índio com a filha do desbravador português, nasceram os Nunes, que juntando aos velhos nomes portugueses o apelido Amoipira do cacique, herdaram as terras e a fama do caboclo que se fez chefe branco.

    Com o passar dos séculos, a fazenda de Centocé virou, sucessivamente, Arraial, Freguesia, Vila Imperial, Município”. O nome do Município passou a ser grafado como Sento-Sé, decorrente de correção gramatical.

    Uma fase da sociedade brasileira no sertão do Brasil 

    “Sento-Sé vale um conto,

    Remanso um conto e cem...”

    (Toada de remeiro)


    Três séculos depois, Sento-Sé dormia sob a proteção do Major Janico Nunes Sento-Sé (meu bisavô) e o Coronel Janjão (primo e amigo da família).

    A sede do Município de Sento-Sé vivia ameaçada de ser invadida. Essa luta vinha de 1923, mas, a partir de 1926, a situação se agravou e, em 8 de junho, o povo de Sento-Sé aguardava mais um ataque.

    Enfrentando o grupo agressor, o povo de Sento-Sé lutou bravamente, defendendo o chão ancestral e se livrou da ameaça iminente e de diversas outras decorrentes ao longo da sua história.

    Obs.: Esses conflitos são explicados nos livros de Wilson Lins (“Remanso da Valentia, Os Cabras do Coronel e O Reduto”), clássicos da literatura baiana.

    As grandes formações de forças de linha não podiam enfrentar com êxito as numerosas tropas de guerrilhas dos donos do agreste que, operando em pequenos grupos de combate, imobilizavam com facilidade as forças regulares nas bocainas e nos tabuleiros, razão por que os governos estaduais eram condenados a dividir sua autoridade com os chefes sertanejos. Para fazer face a um coronel que se rebelasse contra a política oficial, os governos dos estados lançavam mão do recurso de armar um coronel contra o outro, sob a promessa de que, uma vez dominado o insurgente, o município por ele dirigido passaria a ser seu.

    Daí a constância com que municípios vizinhos se engalfinhavam em guerras intermináveis.” (Os Cabras do Coronel – prefácio).


    Algumas citações da época:

    “As mãos de um homem só se sujam quando pegam no alheio!” Meu bizavô Janico, no livro (“Remanso da Valentia”, p. 26)

    “... a apresentar a realidade da classe média, dos vendeiros, do telegrafista, do escrivão, dos rábulas, do juiz (...) o curioso é não haver médicos, o que demonstra tratar-se de gente sadia que só recorre a curandeiros, conhecedores dos segredos das ervas, quando há facadas, machucados de pancadaria, ou furos de balas.” (Zora Seijan, “Remanso da Valentia”, prefácio)

    Os coronéis do São Francisco com seus homens d’armas, seus redutos, suas terras, se assemelham aos castelões poderosos de regiões europeias, com seus vassalos e aliados na luta contra reinos e/ou grupos rivais”. (Zora Seijan, “Remanso da Valentia”, prefácio)

    A história da Família Sento-Sé e do sertão de São Francisco continua contada na literatura baiana e em alguns livretos independentes pertencentes à Família.

  • A Coluna Prestes em Sento-Sé

    ColunaPrestes1Não bastassem os conflitos constantes entre os coronéis sertanejos, em junho de 1926, “homens de todos os aspectos cavalgavam sob o sol escaldante, traziam fuzis a tiracolo e alguns deles vestiam trajes estranhos, bombachas largas; outros envergavam uniformes militares. Entre eles iam algumas mulheres, [....] eram jovens, na sua maioria, e aquele que parecia o mais jovem de todos dava a impressão de ser o comandante, pois ia na frente da tropa, dava ordens, a cada instante era consultado pelos outros” (“Os Cabras do Coronel”, p.220 – Wilson Lins). Tratava-se de Luiz Carlos Prestes, capitão revoltoso que levava uma guarnição do exército gaúcho e há dois anos vinha lutando nos sertões, perseguido pelas forças legais, sem se entregar.

    A Coluna Prestes também esteve presente na história de Sento-Sé e é contada no livro “Os Cabras do Coronel”, de Wilson Lins.

    A Coluna Prestes já havia tentado cruzar o São Francisco por duas vezes, mas sempre obstados pelas forças regulares do Exército e das polícias da Bahia, Sergipe e Pernambuco, retrocediam para a caatinga. A situação deles estava desesperadora, mas, impelidos pelo ideal da regeneração política no país, encontravam, em si mesmos, forças que venciam o cansaço e o inimigo. Naquela manhã de junho, rumando para Tabuleiro Alto, eles iam sem receio de encontrar opositores, sabedores que eram, de que as forças do governo estavam longe, [...] mal sabiam, porém, que àquelas horas o governo estava apelando para que os chefes regionais juntassem seus cabras às forças da legalidade”. (“Os Cabras do Coronel”, Wilson Lins p. 224).

  • Recordações da Bisa Cantú em Sento-Sé

     Dentre as memórias daquela época, tenho alguns registros:

    A Bisa gostava de jogar baralho e politaina com vovó Pequena (sua avó) e tia Meru.

    Apesar de não ter conhecido meu bisavô Janico, lembro que minha avó contava que ele era simpático, alto, loiro e de olhos azuis. Eles eram primos legítimos e a minha bisa, que havia ficado órfã de seus pais, passou a residir com a família dele, desde os três anos de idade. Meu bisavô era conhecido por ter um grande espírito empreendedor. Além de trabalhador, foi político e delegado de Sento-Sé. Era negociante, tinha loja, armazém e faleceu com quarenta e poucos anos. Tiveram seis filhos, três dos quais morreram ainda crianças. Vivos ficaram minha Madinha Altair, meu tio Heitor e minha avó Amália. Depois da morte de meu bisavô, a Bisa prosseguiu com o comércio e, como precisava de alguém para ajudá-la na administração do negócio, propôs sociedade ao cunhado e meio irmão.

    E assim prosseguiu até 1957, quando saiu de Sento-Sé para o Rio de Janeiro, onde já estavam estabelecidas suas filhas (minha avó e minha tia avó).

    Casa GrandeA casa em que eles moravam no início era de Vovó Pequena (avó de minha avó). Era uma casa enorme com vários móveis de jatobá, cadeiras de palhinha, penteadeiras, baús, redes, oratório e as famosas máquinas de costura, que eram quatro: uma de Vovó Pequena, outra da Bisa e as outras de Merú e Lindú (primas-irmãs da Bisa).

    Faziam parte das recordações da Bisa: os carnaubais, as casas de farinha, as abelhas de Sento-Sé, as “revoadas de jandaias”. Era um espetáculo cotidiano que marcava as manhãs e as tardes de Sento-Sé. “As jandaias grazinando pelos ares, em pouca altura. Todos os dias era a mesma coisa, pela manhã deixavam as caatingas em direção à margem oposta no município de Casa Nova (BA)”. Todas as tardes voltavam em bando e em “revoadas”, para a dormida caseira de Sento-Sé” (in: “Memórias Cento-Ce”, Marlene Sento-Sé e Souza dos Santos). Essa rotina não falhava!

    A bisa gostava de fazer croché, bonecas de pano, recortar bonequinhos em série, que guardo até hoje!

    Contava também sobre Lampeão, que teve sua passagem em Sento-Sé.

    Por volta de 1933, quando os bandoleiros de Lampeão assaltaram Oliveira, vários primos da Bisa, foram morar em Sento-Sé.

  • As festas em Sento-Sé

    01 IgrejaQuando havia alegria em Sento-Sé, o povo gostava de cantar! 

    Naquela época cantarolava-se...

    “Juazeiro da lordeza,

    Sento-Sé da nobreza,

    Remanso da valentia”

    (do “ABC da Carreira Grande”, de autor desconhecido)

    Cantavam ao som das violas nas noites enluaradas, “o luar do sertão”. Cantavam nas beiras das lagoas, ricas de peixes, cantavam depois das pescarias e nas festas. A dos “congados” era a mais curiosa.

    A dança dos congados percorria por vários dias as ruas. Os dançantes faziam visitas aos principais residentes da sede e nunca deixavam de ir render as suas homenagens ao padroeiro na sua igreja.

    Outra festa tradicional era a festa de São José que ocorria em meados de março com a condução de sua bandeira tradicional (bandeira do rosário). Tudo isso acontecia às margens do “Velho Chico”, onde o leite, o requeijão e o queijo eram bem melhores e os ares bem mais sadios.

    Nas lagoas piscosas de Sento-Sé ocorriam as grandes pescarias durante uns 60 dias quando o rio estava no seu período de vazante. A lagoa de Sento-Sé funcionava como um grande viveiro de mais de 1 km de comprimento por meio km de largura.

    Uma das verdadeiras festas era o dia da abertura das pescarias, quando as famílias eram convidadas para a fartura das abundantes peixadas.

  • Sento-Sé, município rico em potencial

    Foto1A terra de Sento-Sé era pródiga, porque suas salinas proviam a maior parte do sal utilizado.

    O algodão chegou a constituir produto de exportação local, mas depois Sento-Sé tornou-se campo de ação dos revoltosos de Prestes, dos famigerados “patriotas” de coronéis sertanejos e, mais tarde, dos bandidos de Lampeão.

    Funcionava em Sento-Sé um serviço de descaroçamento do algodão que era comprado dos lavradores da margem e das caatingas.

    Criação de gado, carneiros, cabras e porcos. Cultivo de mandioca, abóboras, melancias, melões, pepinos, feijão, milho, cebola e alho. Mel de Abelha das espécies Mandaçaia ou Cupira, branca ou Uruçu.

    As riquezas eram: granito, quartzo, ouro e pyrites, além de cristais de rocha, turmalinas, ametistas, águas marinhas e galena.

  • Lampeão em Sento-Sé

    bando lampeaoLampeão também teve sua passagem por Sento-Sé, ameaçando e amedrontando o povo.

    Transcrevo abaixo curiosa passagem descrita por Romualdo Leal Vieira, no seu livro Sento-Sé Rico e Ignoto.

    As leis dos sertões nem sempre coincidiam com as das capitais.

    Por volta de 1933, “o bandoleiro Lampeão atacou Oliveira, saqueando o comércio, mas fugiu antes da chegada da “volante” (polícia)”.

    O prefeito e coronel de Sento-Sé, nosso primo, Janjão, recebeu um bilhete, no qual seu irmão Tonhá, se declarava preso por Lampeão e pedia 5:000$000 (cinco contos de réis) para o seu resgate. Foi feito contato com o secretário da polícia do Governo à época, que determinou a ida a Sento-Sé com uma pequena força e uma estação de Rádio da Polícia. Quando chegaram ainda pela madrugada em Oliveira, encontraram a população sobressaltada, a loja de Tonhá saqueada e de Lampeão, nem rastro, porque preferira não esperar pelo dinheiro.

    De imediato foi publicado no jornal O Estado da Bahia, “No momento a situação exata é a seguinte: praticado o saque de Oliveira e adjacências, em Sento-Sé, Lampeão encontra-se na Região de Serras que se estende de São Pedro a São Romão, talvez em rumo do Junco e Brejo da Brazida donde uma escapada eventual o poderá levar a municípios vizinhos”.

    No município de Sento-Sé, ele não contava com o coiteiro (indivíduo que o auxiliava, fornecia animais, indicações, munição de guerra e de boca) para sua salvação.

    Depois da façanha de Oliveira e quando rumou para as serras, Lampeão fez derrubar grande número de imbuzeiros, o que para o povo constituía indício de que preparava uma volta, aproveitando então as raízes sumarentas dos imbuzeiros.

    Nos primeiros dias de permanência em Oliveira, Lampeão e seu bando espancaram várias pessoas. O número de mulheres espancadas vem do fato de exigirem delas principalmente “ouro e dinheiro”, palavras que pronunciavam em primeiro lugar em qualquer povoado.

    O vaqueiro Ezequiel foi espancado porque, vendo o grupo, armou-se com o rifle e o enfrentou.

    Quando o coronel Antônio Sento-Sé (Tonhá) foi atender a porta, deparou-se com Lampeão e dois bandidos, que agarraram-lhe os braços.

    Ele assim o descreveu:

    “Roxo escuro de uns 30 anos, cabelos à nazarena, um dos olhos recobertos por uma película branca, estatura mediana, pernas finas e musculosas, busto muito desenvolvido. Lampeão vestia uma roupa de brim mescla azul, embornais de brim kaki, alpercatas, cartucheira cheias de balas. Como tive ocasião de verificar sua munição de fuzis de guerra é toda nova, tendo ele chamado a minha atenção para as balas “dum dum” de que dispõe. As suas alpercatas, cinto e cartucheiras são objetos bem trabalhados cheios de visos de cores ilhoses e rendilhados, obras verdadeiramente caprichosas. O seu mosquetão, tipo “Mauser” tem a aparência de novo, coronha de madeira clara e reluzente, toda cravejada de ouro, prata e pedras que, suponho, preciosas, como ele afirma. Usava um chapéu de feltro, abas largas, a da frente levantada, deixando ver uma barra de placa e broches de ouro e pedras, a tira colo uma bolsa de coro preto fino, também ornamentada de joias”. Assim contou o Coronel Antônio Sento-Sé (Tonhá), no livro Sento-Sé Rico e Ignoto, de Romualdo Leal Vieira.

    Depois de ter a loja saqueada e dito que não tinha mais dinheiro, Tonhá teve que escrever um bilhete ditado por Lampeão, para o irmão Janjão em Sento-Sé. Dizia o bilhete: “Janjão, estou preso pelo Capitão Lampeão, ele exige 5;000$000 (cinco contos de réis) sob pena de minha vida, providencie com amigos em Juazeiro, para terminar isso. Tonhá”

    ...

    Depois mandou que fechasse a loja e ao chegarmos na sala disse-me:

    — Olhe lá! Veja bem o trato que está fazendo comigo. Feliz do que não me conhece. Se no dia o senhor Não me mandar o dinheiro, o senhor Morre e não fica uma só fazenda. Queimo tudo! Não me traia!...

    Voltou a bandida Maria de Déia, dizendo:

    — Vamos embora, seu Virgolino!

    Ele saiu, apitou e todos os bandidos montaram imediatamente. Uma disciplina absoluta.

    Depois foram os saques de Traíra e de Riacho dos Pais.

    Sabiam que o “rádio” de Lampeão eram os coiteiros, informantes, que trocavam o resultado de sua espionagem por dinheiro ou imunidade.

    Conforme relato de Romualdo Leal Vieira em seu livro Sento-Sé Rico e Ignoto:

    Em Sento-Sé, o primeiro contato de fogo deu-se entre as localidades de Tanque Negro e Junco.

    O segundo tiroteio travou-se em Morro Vermelho, próximo à serra da Palmeira, prepararam os bandidos 16 trincheiras e uma picada para o momento da fuga.https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/5/5f/Cartazlamp.jpg

    Logo pela manhã, os 40 homens das duas “volantes”, lançaram seu assalto. Durou o tiroteio cerca de meia-hora, tendo os soldados desalojados os bandidos das trincheiras, em cada uma das quais foram encontrados 60, 70 e mais cartuchos detonados. Os bandidos fugiram em direção à fazenda Poço do Anjico.

    Depois acorreram mais três colunas “volantes” e Lampeão achou melhor evacuar o território de Sento-Sé.


  • A prestação de serviços em Sento-Sé

    Foto6cPor volta de 1950, o Município de Sento-Sé esteve assistido por médicos, primeiro pelo Dr. Juvêncio Alves, que chegou a instalar uma farmácia na Casa Grande para atendimento à população do município. Dr Juca Sento-Sé, cujo nome foi dado à escola da cidade, e depois por Dr. Heitor Nunes de Oliveira Sento-Sé (tio da minha mãe) que, em 1960, assumiu a Chefia da Unidade Sanitária de Sento-Sé, ainda emergente, com a implementação de um projeto de porte médio em saneamento básico, com a construção de fossas e banheiros em 100% dos domicílios, recuperação física dos grupos escolares, enfim, um trabalho educativo antecipado em larga escala foi planejado com o envolvimento e a colaboração de grande parte da população. O Hospital Regional recebeu o seu nome como reconhecimento pelo Ministério da Saúde.

     

     

  • Memórias de um povo

    11 fotocA velha cidade de Sento-Sé já não existe mais, devido à construção da Barragem de Sobradinho (de 1971-1980), sendo a Nova Sento-Sé (construída em 1976) muito diferente da antiga, com estradas asfaltadas ligando-a à capital do Estado a 1000 quilômetros de distância.

    Eu não cheguei a conhecer a velha cidade. Já conheci a partir da represa do Sobradinho.

    Mas lembro perfeitamente das histórias, não só das perdas materiais, mas das perdas emocionais, todas as lembranças, as vidas das pessoas debaixo d’água.  

    Finalidade da Barragem de Sobradinho:

    Conhecida como a “obra do século”, teve por finalidade a regularização plurianual do Rio São Francisco. Essas 72.000 famílias foram relocadas para núcleos habitacionais construídos pela CHESF – Companhia Hidroelétrica do Rio São Francisco, essa população vivia praticamente da pesca.

    “O Rio São Francisco fazia parte da paisagem espiritual dos lavradores que viviam nas suas margens. Quando a CHESF lhes tirou o rio, formando a represa de Sobradinho, arrancaram alguma coisa de sua alma”.

    A construção da barragem de Sobradinho teve inicio em 14/06/1972 e a conclusão em maio 1981.

    09 fotobA mudança das populações de quatro cidades - Casa Nova, Sento-Sé, Remanso e Pilão Arcado, foram feitas como um verdadeiro êxodo, a imprensa nacional acompanhou todos os lances dramáticos. A imprensa regional estampou as seguintes manchetes na época:

    “Populações fogem das águas”.

    “Resgatados os últimos moradores de Casa Nova”.

    “Populações passam fome e ameaçam saquear comércio”.

    “Desespero de quem não sabe viver longe do rio”.


    Os cantores Sá e Guarabyra gravaram uma música dedicada a Sobradinho, na qual eles falam da relocação das comunidades e da destruição das últimas reservas ecológicas da região. Falam da profecia do beato Antônio Conselheiro e cantam “o adeus” das 72.000 famílias relocadas pela CHESF das margens do Chicão para o centro da caatinga.



    O homem chega, já desfaz a natureza

    Tira gente, põe represa, diz que tudo vai mudar

    O São Francisco lá pra cima da Bahia

    Diz que dia menos dia vai subir bem devagar

    E passo a passo vai cumprindo a profecia do beato que dizia que o Sertão ia alagar


    O sertão vai virar mar, dá no coração

    O medo que algum dia o mar também vire sertão

    Vai virar mar, dá no coração

    O medo que algum dia o mar também vire sertão


    Adeus Remanso, Casa Nova, Sento-Sé

    Adeus Pilão Arcado vem o rio te engolir

    Debaixo d'água lá se vai a vida inteira

    Por cima da cachoeira o gaiola vai subir

    Vai ter barragem no salto do Sobradinho

    E o povo vai-se embora com medo de se afogar.


    O sertão vai virar mar, dá no coração

    O medo que algum dia o mar também vire sertão

    Vai virar mar, dá no coração

    O medo que algum dia o mar também vire sertão


    Remanso, Casa Nova, Sento-Sé

    Pilão Arcado, Sobradinho

    Adeus, Adeus ...


    Sento-sé foi a terceira cidade a ser transferida, relocada em 1977.

    As primeiras famílias, ao chegarem às novas cidades construídas pela CHESF, encontraram as mesmas sem as mínimas condições de vida, faltava água, luz, esgoto, etc.

    O rebanho de gado dos quatro municípios foi perdido em sua grande maioria, alguns animais ficaram ilhados, outros se afogaram e outros morreram de fome e peste.

    As populações viveram os dois primeiros anos se endividando, comprando fiado em armazéns para não morrer de fome.

    Várias mudanças ocorreram com a vinda de Sobradinho. Os moradores de Remanso, Casa Nova, Sento-Sé e Pilão Arcado foram afastados das margens do Chicão, as tradicionais barcas do São Francisco desapareceram, as tradicionais “gaiolas” foram desativadas e a intensa navegação deixou de existir.

    Depois de navegar muito tempo nas águas do velho Chico, o “gaiola” Saldanha Marinho descansa agora numa das praças de Juazeiro, transformado em monumento nacional, que funciona como bar e restaurante para a venda de comidas e bebidas típicas do São Francisco.


    Dedico esse cantinho aos meus ancestrais, de quem recebi força, coragem, resiliência.

    Honro sua história e agradeço por tudo!

    Sento Se por do sol3